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Pegue um café! Vamos falar sobre motivação…

Escrever um texto sobre motivação pareceu-me, desde o início, uma proposta ousada, e vou lhes dizer o motivo. A Psicologia ocupa-se em compreender o modo como as pessoas se comportam e o porquê se comportam de determinada maneira. São diversas as explicações acerca do porquê fazemos algumas coisas em detrimento de outras, mas, mesmo assim, há muito a ser discutido sobre este tema. Para além da Psicologia, falar sobre motivação tornou-se prática de diferentes palestras coorporativas, com intuito de motivar funcionários. E, não distante da realidade diária, “vira e mexe” encontramos este tema em conversas com amigos, familiares e até mesmo em uma mesa de bar.

Como dito inicialmente, são diversas as explicações sobre a motivação do comportamento humano. A Psicologia como ciência propõe diferentes modelos explicativos, de acordo com propostas filosóficas distintas – fato que explica, em grande parte, a ousadia deste texto. Algumas destas concepções moldaram o senso comum, pois foram disseminadas com maior frequência e por um longo tempo. Não é difícil imaginarmos um conhecido que em seu discurso teça diversas explicações sobre o modo de agir de outra pessoa, utilizando falas como estas:

  • “Joana não fez isso porque quis, mas porque é a personalidade dela!”;
  • “Ele é agressivo mesmo, é o ‘gênio’ dele!”;

Em palestras intituladas motivacionais, frases como “A motivação está dentro de você. Encontre-a!” são comuns. Além disso, é frequente as pessoas acreditarem que precisam “aguardar a motivação” para fazer algo. Esta é, inclusive, uma fala típica de clientes nos consultórios de Psicologia.

Neste texto me preocuparei em fornecer uma breve visão motivacional com base na filosofia do Behaviorismo Radical, a qual sustenta a ciência da Análise do Comportamento. Desta forma, torna-se imprescindível citar que o modo como esta ciência compreende o comportamento humano diferencia-se dos modelos a que estamos acostumados. Para os analistas do comportamento, o comportamento humano corresponde à interação entre o organismo (indivíduo) e o ambiente a que está inserido, sendo este ambiente a variável que mantém ou extingue determinadas respostas (ações) do indivíduo. A partir deste pressuposto, mudamos a nossa visão de que os comportamentos ocorrem motivados por “forças internas” e deixamos de dizer que a motivação é “um desejo ardente que impulsiona à ação”.

[Se você estiver achando complicado demais, tudo bem, vou explicar melhor!]

Entender que comportamento corresponde à interação entre as ações e o ambiente, quer dizer, em outras palavras, que após toda ação ocorrem consequências (modificações) no ambiente. E estas consequências podem agir de forma a aumentar a probabilidade desta ação acontecer novamente ou podem atuar de forma contrária, diminuindo a probabilidade desta ação acontecer no futuro. Como exemplo, podemos citar as seguintes situações:

  • Bia experimenta fazer uma ligação a uma colega que conheceu em uma festa no dia anterior, com o intuito de conversar. Eis que a garota atendeu ao telefonema e desenvolveu uma conversa longa e agradável com Bia.
  • Considerando a mesma situação, no entanto, ao atender ao telefonema de Bia a garota não se mostra interessada em conversar, demonstrando pouca empolgação nos assuntos propostos e usando muitas interjeições como “aham”, “ahhh, ta!”, “então tá bom!”. A ligação dura poucos minutos.

Torna-se fácil imaginar que na situação um, a probabilidade de Bia ligar novamente para esta garota foi aumentada, pois houve uma interação que, provavelmente, foi agradável a ela, haja vista o envolvimento no diálogo e a duração da ligação. Caso ocorresse a situação dois, a probabilidade de Bia ligar novamente a esta garota seria diminuída, pois a interação, provavelmente, não foi agradável.

Estes simples exemplos ilustraram o modo como uma ação (fazer a ligação) tem consequências (interesse ou desinteresse da amiga), e estas consequências influenciam na ocorrência futura desta resposta (ligar para a mesma garota).

[Se você compreendeu até aqui, está excelente. Mas deve estar se perguntando: “cadê a motivação nesta história?”]

Dizer que ações produzem consequências não é suficiente. As consequências ocupam um papel significativo no que diz respeito ao ambiente. Mas há outro aspecto importante a ser levado em consideração: o contexto antecedente de uma ação. Chegamos, então, a um ponto importante da compreensão do comportamento: em determinado CONTEXTO, algumas AÇÕES são emitidas e produzem CONSEQUÊNCIAS.

[Mas o que isso quer dizer?]

Entende-se que além de existir o controle pelas consequências (aumento ou diminuição da probabilidade de ocorrência da ação), existem variáveis que antecedem a ação e que podem atuar de duas formas: A) sinalizando ao indivíduo a possibilidade de realizar determinada ação e produzir uma consequência específica; ou B) modulando o valor da consequência e C) alterando a probabilidade de ocorrência de determinada ação. Para falar de motivação vamos nos atentar aos aspectos B e C.

Para que uma ação aconteça novamente, as consequências produzidas por ela devem ser importantes o suficiente para que o organismo volte a acessá-la. No entanto, às vezes, uma consequência se faz “interessante” ou “necessária” e em outras vezes, esta mesma consequência parece não “interessar” ao indivíduo. Vou citar um exemplo típico do dia a dia: Beto diz gostar muito de feijoada e massas. No horário de seu almoço, já com bastante fome, serve-se de uma generosa porção de feijoada. Após terminar de comer, o garçom retira seu prato e talheres e, então, aproxima-se um amigo que iniciará seu almoço. Ele está comendo uma grande porção de massa e, sem saber que Beto já havia almoçado, pergunta a ele se deseja dividir a porção. Beto recusa a porção: “Nossa! Obrigado! Nem aguento ver você comer, pois estou muito satisfeito!”.

[Mas por que Beto recusou um prato que ele tanto gosta? Se você acha que ele recusou por estar saciado, muito bem! Podemos continuar…]

Ao receber a feijoada no seu almoço, o organismo de Beto saciou a fome que sentia, tornando o valor apetitivo da macarronada muito baixo e diminuindo a probabilidade dele emitir ações que tenham como consequência comer a macarronada ou qualquer outro alimento. Caso o colega tivesse chegado com sua porção antes de Beto almoçar, muito provavelmente o valor apetitivo da massa teria sido aumentado, “motivando” Beto a comê-la.

Desta forma, compreende-se que existe uma condição antecedente que está ligada ao valor da consequência. E que um de seus efeitos é tornar mais provável a ocorrência de ações que produzem a consequência desejada. Por outro lado, a condição antecedente também pode diminuir a probabilidade do indivíduo emitir a ação quando ela resulta em consequências não desejadas.

Para facilitar a compreensão, imagine uma criança que é privada da atenção dos pais durante todo o dia e, quando os pais chegam do trabalho, cansados, pouco querem brincar com o filho. Há algum tempo, estes pais têm observado que, recorrentemente, o filho desorganiza e atira os objetos da casa, corre na frente da televisão enquanto assistem o telejornal, grita e discute com a babá. Nestes momentos de grande incômodo, os pais pedem para que pare de atirar objetos, brigam para que não discuta com a babá e colocam-no no sofá sentado, junto deles.

[Você conhece alguma criança com comportamentos parecidos?]

Na situação ilustrada, podemos identificar diversos elementos apresentados neste texto. Muito provavelmente um leigo diria que esta criança comporta-se desta forma “porque é agressivo” ou porque “tem uma personalidade forte”. No entanto, há dados suficientes para hipotetizarmos que a criança encontra-se privada da atenção dos pais (contexto), de modo a tornar a atenção uma consequência com valor apetitivo bastante alto. Sendo assim, para ter acesso a esta consequência (atenção dos pais), as ações que lhe deram acesso a ela, anteriormente em sua história, têm a probabilidade de ocorrência aumentada. Neste caso, o filho atira objetos, corre na frente da televisão etc. e recebe a atenção dos pais. A condição que levou o garoto a “motivar-se” a ter atenção, corresponde ao estado de privação em que se encontrava, e o modo como agiu correspondem às ações que foram selecionadas pelo seu ambiente.

[Ufa, vamos respirar! Agora você é capaz de entender porque muitas vezes perdemos a motivação em nosso trabalho. Ou até mesmo porque nossos filhos não fazem a lição de casa…]

Em linhas gerais, podemos concluir que a motivação para a emissão de uma ação acontece após o indivíduo ter acessado as propriedades “positivas” das consequências produzidas por ela. Assim, a ideia comum de que “precisamos ter motivação para fazer” é substituída pela concepção de que “precisamos fazer para ter motivação”.

  • Mantemo-nos motivados em dietas e na prática de exercício físico para perda de peso, quando a eliminação de gorduras é notada por nós (e pelos outros!), além de experimentarmos benefícios físicos.
  • Continuamos motivados no processo de terapia quando experimentamos as consequências satisfatórias acessadas por meio deste processo.
  • Mantemo-nos motivados no trabalho, quando nossas práticas produzem consequências como dinheiro e reconhecimento dos seus pares ou clientes.
  • Crianças e gamers permanecem motivados no jogo, conforme recebem recompensas e vencem desafios, passando de fases.
  • Conseguimos desenvolver um grande projeto com motivação quando ele é dividido em pequenas metas que produzem recompensas ao longo de sua execução.

Estes são exemplos do cotidiano que nos ajudam a compreender o que mantém e gera a nossa “motivação”. Ela é mantida e gerada pelas consequências que produzimos com nossas ações. Por este motivo, os papéis se invertem, precisamos fazer antes de nos motivar! E assim acontece com nossos comportamentos, para além destes exemplos.

Se após ler todo este texto, você estiver fazendo a seguinte pergunta: “Se precisamos fazer para ter vontade de fazer novamente, como se inicia o processo de motivação?”, sinto lhe dizer… esta resposta é para outra prosa! Lhe convido, então, a ler sobre variação e seleção comportamental.

Espero que estejam motivados!

Para os interessados em Análise do Comportamento, seguem referências que deram base a este texto e que discutem motivação conceitualmente:

Aureliano, L. F. G. & Borges, N. B. (2012). Operações Motivadoras. In N. B. Borges & F. A. Cassas (Orgs.), Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos (pp. 32-39). São Paulo: Artmed. and terms to describe them: some further refinements. Journal of Applied Behavior Analysis, 36(3), 407 – 414.

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16(2), 191-206.

Miguel, C. F. (2000). O conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento. Psicologia: teoria e pesquisa, 16(3), 259-267.

Verneque, L., Moreira, M. B. & Hanna, E. S. (2012). Motivação. In M. M. C. Hübner & M. B. Moreira (Orgs.), Temas clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento (pp. 74-87)Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

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