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Esquizofrenia

Na área da saúde mental o acompanhamento terapêutico/atendimento extraconsultório é avaliado como uma modalidade de atendimento extremamente importante, pois permite intervenções em pacientes que demandam a aplicação de determinados procedimentos de forma mais contínua e sistemática (Vianna & Sampaio, 2003).

Vermes, Zamignani e Kovac (2007) descrevem algumas demandas para o trabalho fora do consultório sob o ponto de vista analítico-comportamental, destacando casos em que há déficits no repertório básico da pessoa (por alguns processos comportamentais vigentes: modelagem inconsistente, excesso de estimulação aversiva, falta de habilidades mínimas de exploração ambiental e de comunicação, excesso de superproteção) ou características do transtorno, como é o caso de pessoas com desenvolvimento atípico, doenças degenerativas e pessoas com esquizofrenia.

Outros fatores levam a indicação do trabalho do acompanhante terapêutico (AT), citados por Londero e Pacheco (2006): busca de autonomia – como melhorar cuidados de higiene para o paciente; realização de atividades cotidianas/rotineiras em casos crônicos, entre outros fatores.

Zamignani e Wielenska (1999) comentam que o trabalho permite o acesso a dados que explicam as relações interpessoais e com o ambiente do paciente.  Refere-se à atuação do AT como agente “ressocializador” e modelo facilitador da aprendizagem de um novo repertório comportamental por parte do paciente.

Diferente do consultório, o trabalho é realizado no ambiente natural do paciente, o que oferece um retrato mais fidedigno da sua realidade. Neste caso, há a vantagem do AT identificar com maior precisão as variáveis que desencadeiam e mantém as dificuldades do paciente e com isso, recorrer a procedimentos terapêuticos no momento em que o problema se manifesta (Sampaio & Vianna, 2003).

Além disso, segundo Baumgarth, Guerrelhas, Kovac, Mazer e Zamignani (1999), o profissional que faz o trabalho fora do consultório é considerado como um facilitador das relações familiares, apresentando-se como alternativa à internação psiquiátrica e, por ser um trabalho intensivo e próximo ao ambiente natural do paciente pode abreviar o tratamento.

A aplicação de técnicas pura e simplesmente, sem o conhecimento do porquê a mesma fora selecionada e quais objetivos se quer alcançar com determinados procedimentos, não garantem a modificação de um comportamento ou a manutenção da aprendizagem de um novo socialmente adequado e menos “prejudicial” ao paciente. O profissional deve, também, ter autonomia para a tomada de decisões em situações inesperadas; deve estabelecer uma relação empática e um bom vínculo com seu paciente. Sugere-se estar atento para não se colocar num papel de amigo, evitando emitir respostas emocionais que podem ser “facilitadas” por se estar no ambiente natural do paciente e, não agindo de forma impulsiva, colocando-se no lugar dos pais/responsáveis (Vianna, Ignácio & Colombini, 2011).

Pensando na relação entre o trabalho extraconsultório e a esquizofrenia, recorre-se historicamente ao trabalho da década de 50 realizado por pesquisadores que aplicavam técnicas de modificação de comportamento: os modificadores de comportamento (Guedes, 1993). Diversos foram os estudos na área comportamental desenvolvidos no sentido de promover a modificação do comportamento de pessoas que recebiam o diagnóstico de esquizofrenia, focando as intervenções em situações ambientais controladas, tais como: hospitais psiquiátricos e prisões (Ayllon & Azrin, 1964; Hammer, Salzinger & Sutton, 1973; Hanley, Iwata & McCord, 2003).

Skinner, Solomon e Lindsley (1954) pesquisaram a efetividade de técnicas operantes empregadas para a análise e modificação do comportamento psicótico. O enfoque da pesquisa não tinha a prioridade de promover um tratamento, mas o de averiguar a “aplicabilidade” dos conceitos e métodos da análise experimental do comportamento animal para os seres humanos.

Ainda na década de 50, Lidz, Cornelison, Terry e Fleck (1958) realizaram um trabalho com dois irmãos esquizofrênicos que apresentavam a ideia que a discordância entre eles corresponderia à prisão de ventre. Os pesquisadores observaram em ambiente natural que, frente a um conflito/desentendimento entre os irmãos a mãe lhes dizia que eles estavam com prisão de ventre e lhes dava um clister (um reforçador positivo no caso da história de reforçamento dos dois).

Ayllon (1963), segundo Santos (2007), também atendia uma paciente com o diagnóstico de esquizofrenia fora do consultório (em uma instituição), hospitalizada por nove anos e apresentava uma alta frequência de: 1) roubar comida; 2) armazenar as toalhas em seu quarto; e 3) o uso excessivo de roupas. Como resultado da intervenção houve a diminuição do roubo de comida pela privação da comida. O comportamento de armazenar toalhas foi estabelecido a saciação com relação às tolhas e para reduzir o uso desnecessário das roupas foi utilizado o reforçamento positivo (por meio de comida). Destaca-se que um dos aspectos importantes desse trabalho foi o de evidenciar a possibilidade de desenvolver condições experimentais “ideais” (próximas do ambiente artificial do laboratório) em situações naturais. Todavia, salienta-se que o atendimento fora do consultório dificilmente se equiparia aos atendimentos dentro de uma instituição e/ou de situações mais controladas pelo pesquisador.

Um ponto importante a ser considerado no trabalho é que o profissional está exposto a um ambiente com uma série de variáveis, como os membros de sua família. A sua postura profissional diante da família do paciente é fundamental, uma vez que seu trabalho se, desenvolvido na residência do paciente, pode interferir na rotina da casa e sua presença pode incomodar os demais membros da família (Vianna & Sampaio, 2003).

Levando em consideração o fato de que em muitos casos a “doença” do paciente leva a uma desestruturação do núcleo familiar, tornando a família, como célula de convívio, também doente, haverá a necessidade dessa família passar por uma intervenção e também ser orientada. O profissional não atua como um terapeuta familiar, e sim, pode realizar a psicoeducação, coletando informações para o desenvolvimento do programa de tratamento e fornecendo orientações e procedimentos aos familiares para lidarem com os comportamentos do paciente em sua ausência ou quando forem necessários (Vianna, Ignácio & Colombini, 2011).

Cruz, Lima e Moraes (2003) descreveram que as principais barreiras familiares encontradas são: familiares defensivos, que não acreditam na pertinência do trabalho; famílias superprotetoras, que acabam tomando o lugar do paciente quando este encontra dificuldades na vida; familiares ausentes e indiferentes, que não se comunicam entre si; familiares que não consideram a gravidade do problema e ainda aqueles que não se interessam ou simplesmente não valorizam o trabalho tanto fora como dentro do consultório.

Além dessa “atuação familiar” o profissional que realizado o trabalho fora do consultório pode ajudar a pessoa com esquizofrenia a recuperar habilidades perdidas, acompanhando-o em sua rotina diária. O AT vai à casa da pessoa, sai com ela, vai ao shopping, ajuda-a a voltar a dirigir, a buscar novas fontes e/ou fontes de reforçamento perdidas por causa do transtorno (tanto na fase dos sintomas positivos – alucinação, agressividade, agitação motora – quanto na fase dos sintomas negativos – tristeza, falta de motivação) (Louzã Neto, 1995; Shirakawa, 2000).

Shirakawa (2000) comenta que essa é uma atividade “corpo a corpo”, em que as inadequações são denunciadas até mesmo vivenciando, em conjunto, situações de constrangimento e de vergonha e, em circunstâncias especiais, a atuação pode ter a finalidade, em fases críticas, como uma alternativa viável a eventuais internações.

Segundo a Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2002/1994) alguns passos são importantes para o manejo clínico do tratamento de pacientes com esquizofrenia:

  1. Estabelecer e manter a aliança terapêutica.
  2. Monitorar e acompanhar o paciente, prestando atenção aos sintomas prodrômicos de recaída.
  3. Promover educação sobre a esquizofrenia e seu tratamento.
  4. Determinar a necessidade de medicação e de intervenções psicossociais e elaborar um plano de tratamento.
  5. Reforçar a adesão ao plano de tratamento.
  6. Incentivar a compreensão e a adaptação psicossocial, e buscar uma adaptação social compatível para cada caso.
  7. Ajudar a reconhecer precocemente as recaídas, promover as mudanças no tratamento e identificar fatores que precipitam ou mantém os surtos.
  8. Envidar esforços para aliviar o estresse familiar e melhorar o funcionamento familiar.
  9. Facilitar o acesso do paciente aos diversos serviços e coordenar os recursos destinados à saúde mental, tratamento clínico-geral, necessidades advocatícias, aposentadoria, lazer.

A partir dessas prioridades fica claro o quanto há áreas de intervenção por parte do terapeuta que realiza tanto o trabalho dentro como fora do consultório, além da importância de um trabalho em equipe, formada por psiquiatras que se utilizam de estratégias farmacológicas para o auxílio na mudança de comportamentos.

Segundo Guerra e Guimarães (2011) muitas são as operações envolvidas na vida de uma pessoa com esquizofrenia, desde perda de possibilidades de reforço social positivo, considerando os limites cotidianos impostos pelo transtorno até ganhos secundários (essencialmente a fuga/esquiva) ou a repostas emocionais “negativas” (medo).

Se por um lado os problemas que levam quaisquer indivíduos à terapia estão relacionados à história de controle aversivo, por outro lado, poucos limitam tanto as oportunidades de contato interpessoal e de reforço decorrente do contato social, como as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia. Assim, o profissional pode auxiliar a pessoa na identificação de contingências que mantêm os comportamentos, compreendendo sob quais controles ela responde, e quais aspectos devem ser mudados para a superação de dificuldades (Guerra & Guimarães, 2011).

Os autores comentam que para que uma intervenção seja bem-sucedida, é necessário não apenas utilizar um procedimento de modificação de comportamento, mas decidir corretamente sobre as ocasiões adequadas para seu uso e como interpretar seus efeitos. Outro aspecto essencial a ser considerado é que o comportamento é controlado por seus efeitos mais imediatos. Isso significa que dificilmente a pessoa se engajará rotineiramente em um conjunto de práticas desagradáveis, que tragam benefícios em longo prazo. Assim, o profissional que estará “corpo a corpo” com a pessoa pode se utilizar tanto reforçadores naturais e/ou arbitrários de forma mais imediata e contingente a um comportamento emitido, como exemplo: seguir uma rotina proposta pelo profissional e/ou conseguir sair de casa mesmo que esteja com medo e/ou com sintomas positivos.

Alguns autores psicanalíticos (cf. Mauer & Resnizky, 1987; Barreto, 1997; Pitiá & Santos, 2005) consideram que o AT assume uma função de aliado do cliente “psicótico”, uma espécie de ego-auxiliar, um aporte que permite constituir um nível econômico de energia que ajuda a “drenar” o sofrimento do acompanhado. Constrói-se, assim, uma intervenção que enfatiza a importância da elaboração de um novo projeto de vida para os portadores de dificuldades psicossociais. Traduzindo em conceitos analítico-comportamentais, sugere-se que o AT possui uma função de ego-auxiliar, pois pode utilizar seu próprio repertório para dar modelo (modelação) no dia-a-dia, utilizando-se de técnicas comportamentais e a própria relação em prol emissão de comportamentos “socialmente” aceitos e alternativos a outros comportamentos considerados “bizarros”, como: estereotipias, alucinações e falas psicóticas.

Referências

Associação Psiquiátrica Americana (2000/1994). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-IV. Porto Alegre: Artes Médicas.

Ayllon, T. (1963). Intensive treatment of psychotic behavior by stimulus satiation and food reinforcement. Behavior Research and Therapy, 1, 53-61.

Ayllon, T., & Michael, J. (1964). The psychiatry nurse as a behavioral engineer. Em A. W. Staats (Org.), Human Learning. Studies extending conditioning principles to complex behavior (pp. 445-457). New York: Holt, Rinehart and Winton, Inc.

Barreto, K. (1997). Uma Proposta de Visão Ética no Acompanhamento Terapêutico. Em Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Instituto A CASA (Orgs.), Crise e Cidade. São Paulo: Educ.

Baumgarth, G. C. C., Guerrelhas, F. F., Kovac, R., Mazer, M. & Zamignani, D. R. (1999). A intervenção em equipe de terapeutas no ambiente natural do cliente e a interação com outros profissionais. Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.). Sobre comportamento e cognição (Vol.20, pp. 134-142). Santo André: ESETec Editores Associados.

Cruz, F. C., Lima, L. A. & Moraes, P. B. (2003). Acompanhamento terapêutico e clinica-escola: um novo campo de exploração. Em M. Z. Brandão (Org.). Sobre comportamento e cognição (Vol.24, pp. 300-308). Santo André: ESETec Editores Associados.

Guedes, M. L. (1993). Equívocos da Terapia Comportamental. Temas em Psicologia, 2, 81-85.

Guerra, L. G. G. C. & Guimarães, E. P. (2011). Abordagem comportamental para pacientes com diagnóstico de esquizofrenia. Em M. G. Savoia (Org.), A interface entre Psicologia e Psiquiatria – 2ª edição (pp.53-72). São Paulo: Roca.

Hammer, M., Salzinger, K. & Sutton, S. (1973). Psychopathology: Contributions from the social, behavioral and biological sciences. New York: John Wiley & Sons.

Hanley, G. P., Iwata, B. A. & McCord, B. E. (2003). Functional analysis of problem behavior: a review. Journal of Applied Behavior Analysis, 36(2), 147-185.

Lidz, T., Cornelison, A., Terry, D. E., Fleck, S. (1958). Intrafamilial  Environment of the Schizophrenic Patient: VI. The Transmission of Irrationality. Archives of Neurological Psychiatry, 79, 305-316.

Londero, I. & Pacheco, J. (2006). Por que encaminhar ao acompanhante terapêutico? Uma discussão considerando a perspectiva de psicólogos e psiquiatras. Psicologia em Estudo, Maringá, 11(2), 259-267.

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Pitiá, A. C. de A.; Santos, M. A. (2005). Acompanhamento terapêutico: a construção de uma estratégia clínica. São Paulo: Vetor, 2005.

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Zamignani, D. R. & Wielenska, R. C. (1999). Redefinindo o papel do acompanhante terapêutico. Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e cognição (pp. 157-165). Santo André: ESETec Editores Associados.

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